O MURO
31/10/2019
“Longos dias têm cem anos” diria Augustina Bessa-Luís quando se tratava de “protelar um assunto, de o fazer amadurecer na lânguida separação do inadiável”! Reconhecidamente são palavras sábias que revelam os constantes desafios que enfrentamos para ultrapassar os “muros” do reconhecimento. No caso concreto do arquitecto José Pires Branco, a adiada aclamação termina aqui! A atribuição do Título de Membro Honorário da Ordem dos Arquitectos vem estabelecer, ainda em vida, uma justa e merecida homenagem! Servem estas palavras, apenas e só, enquanto laurel a uma das figuras mais importantes do panorama artístico do séc. XX na Beira Interior.
José Pires Branco, com formação em Belas Artes inicia a sua actividade na década de 40, partilhando os estiradores com uma geração constituída por arquitectos como Agostinho Ricca, Fernando Távora, José Carlos Loureiro ou Rogério de Azevedo. Após a sua formação, acaba por sediar o seu atelier na cidade do Fundão. Perante um panorama economicamente difícil, com consequente escassez de encomenda de projectos de arquitectura, a escolha do Fundão acabou por ser muito feliz. José Pires Branco consegue encetar um sem número de obras construídas na região, nomeadamente: Externato de Santa Teresinha, Sede do Jornal do Fundão, Casa Albano de Oliveira, Edifício Etra, Marisqueira Sol-e-Dó entre muitos outros não construídos como o Alcambar ou remodelação interior do Casino Fundanense. No levantamento do seu espólio, no arco de tempo entre a década de 50 e 80 do séc. XX, é possível contabilizar quarenta habitações unifamiliares, nove igrejas, oito planos de arranjos exteriores, trinta planos de urbanização e cerca de cinquenta projectos dos mais diversos edifícios de complexidade variada.
O eclectismo de interesses de Pires Branco não se encerrou na arquitectura, construindo um universo muito particular através de tertúlias com Armando Paulouro, José Vilhena e outros intelectuais da clandestinidade do regime de época. Estes encontros foram fundamentais para a criação da Cassiopeia Filmes, que rodou o “7º Pecado” no Jardim das Tílias e ruas da cidade, aliando paralelamente, para além do cinema, actividade no ensino, desenho, gravura, correspondência oficial à RTP e cargos na administração regional.
A sua singularidade é manifestamente representativa da sua importância numa geografia que no seu tempo fora despida de profissionais de arquitectura. Hoje a sua obra é estudada e analisada por permitir desvendar os mistérios do "modernismo" e as transições do vernáculo na construção menos erudita da Beira Interior. Os movimentos em torno da sua obra, que hoje garantem o desenvolvimento de processos de classificação de algumas das suas obras, permitem com segurança definir José Pires Branco como uma das figurais mais importantes da chamada "geração moderna portuguesa".
São estes exercícios de consagração que temos de solidificar pois preservam a memória colectiva de quem dedicadamente construiu cultura... construiu Cidade! Talvez Eugénio de Andrade tivesse razão quando dizia que “Do fundo do tempo, martelava. Contra o muro. Uma palavra.” Reconhecimento!